Por Paulo Jorge Pinto
Se é nosso desejo viver uma fé comprometida, temos de estar disponíveis para ver aumentada a nossa responsabilidade de conhecer o mundo, de agir e de o transformar, de sermos agentes de mudança. É uma necessidade que nasce da nossa condição de batizados e que imprime à nossa vida uma dimensão prática a que somos chamados em fidelidade a Cristo, que sempre agiu em pleno por amor e que nunca foi indiferente perante as circunstâncias. No seu tempo e na sua realidade, foi atuante, materializando o amor infinito de Deus.
Falamos de um amor que se faz ação e que se torna força geradora de Vida. Nesta lógica, a todo o cristão é pedido um amor funcional que multiplica em ação o amor do Pai. É deste modo, por intermédio de cada um, que Cristo se faz também presença concreta na vida do outro. É ao que nos convida Jean Gailhac, “Sejam, em toda a parte, um outro Jesus Cristo.” (GS/19/ III/77/B).
“Falamos de um amor que se faz ação e que se torna força geradora de Vida.”
Ter esta consciência faz toda a diferença, porque dá um sentido renovado ao modo como cada um vive a sua fé. É, de facto, de Cristo que emana a força que provoca a transformação do interior de cada um, do pensamento e do coração, e desperta para que se reconheça a dignidade do ser humano, tendo como consequência a predisposição e a abertura ao compromisso e ao serviço, uma vez que integra o ser humano no projeto de Deus, na construção de um tempo novo, um tempo de justiça e de paz.
Ser cristão é ser inconformado. Esta forma de se assumir e viver a fé é-nos revelada por Jean Gailhac através do seu dinamismo contagiante e criativo nas respostas para as duras realidades, uma dinâmica de santidade e grandeza que nos inspira a viver com outra tenacidade e verdade. Ser cristão é definir-se deste modo, é assumir-se inserido num tempo e num espaço, em comunidade. É esta a essência de quem se deseja filho de Deus. E adotar uma atitude de indiferença perante o outro, particularmente em situações de vulnerabilidade, é negar esta condição, é negar-se a si mesmo.
A verdade é que todos os tempos são de fragilidades, de sofrimentos, de incoerências e desesperos. Há em todo o momento da História aqueles que as circunstâncias tornam marginais, distantes da tranquilidade, da vida digna. E tal como o nosso, também o tempo de Gailhac se lhe revelou de periferias, de míngua de dignidade, de circunstâncias duras, de vidas distantes da inteireza humana. Todavia, foi neste contexto que sentiu a necessidade e o profundo desejo de fazer concreto e palpável o seu imenso amor por Deus. Na sua imensa liberdade de espírito, bondade e determinação, avançou na difícil tarefa de promover as mulheres e crianças. E esta sua forma contagiante de viver a sua fé torna muito clara a extraordinária atualidade da sua visão e legado.
“…o tempo de Gailhac se lhe revelou de periferias, de míngua de dignidade, de circunstâncias duras, de vidas distantes da inteireza humana.”
Confirma-o, por exemplo, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Nesta, o Papa Francisco encoraja a Igreja a agir e a assumir «a tarefa da evangelização» como um empreendimento que «implica e exige uma promoção integral de cada ser humano» (EG, n.º 182). Confirma-o, de facto, esta visão de uma Igreja ativa que chega às periferias e se assume como uma Igreja «em saída», «uma Igreja com as portas abertas» que olha e escuta e adota uma atitude de inteira disponibilidade «para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho» (EG, n.º 46).
Estamos a viver o Ano Jean Gailhac, um tempo favorável que nos desafia a um novo olhar sobre a excecionalidade da vida deste homem que nunca se conformou com o mundo e buscou a sua transformação e também a descobrir a extraordinária capacidade de viver uma fé operativa que resultou em frutos abundantes, a ponto de os fazer perdurar no seu tempo e de se fazer realidade no nosso.
A poucos dias da celebração dos 174 anos de existência do nosso Instituto, somos convidados a encontrar Gailhac, seu fundador, e a descobri-lo como um homem de uma fé inabalável, alicerçada num contínuo aprofundamento do amor de Deus, na plena comunhão com Cristo, que se fez ação concreta, consubstanciada na vontade de nunca ser indiferente ao sofrimento, de se aproximar das periferias da condição humana e procurar atribuir-lhes a dignidade perdida, ou nunca tida. É pela sua ação – o seu Zelo – que vemos um homem consciente da sua missão e que procura cuidar com amor, cuidar sempre, das pessoas que tão exemplarmente acolhe e ama.
“…que nos desafia a um novo olhar sobre a excecionalidade da vida deste homem que nunca se conformou com o mundo e buscou a sua transformação…”
Hoje, o que é pedido a cada um de nós? Tão-somente que façamos o mesmo que Gailhac, sem mais, «conhecer a Deus e torná-Lo conhecido, amar a Deus e fazê-Lo amado, proclamar que Jesus Cristo veio para que todos tenham vida», agir no coração do nosso mundo, tornando verdade o Zelo que inspira a Missão do IRSCM.
Sigamos o seu exemplo e palavras: “Amemos muito a Deus. Esse amor torna tudo fácil, suaviza o que parece rude e dá-nos um zelo e uma força divina para cada um se vencer a si próprio.” (GS/7/X/76/A).
Tenhamos nós a coragem de nos desprendermos dos nossos comodismos que imobilizam para que possamos sair ao encontro dos nossos irmãos para cuidar à maneira de Gailhac, segundo este Zelo que parte de Deus e que a Ele nos conduz.