Internacionalidade

Uma vida para todos

“Quais os desígnios de Deus? Só Deus os conhecia. Coisa impressionante, apenas nascidas, sem qualquer previsão humana e em tão pequeno número, seguiriam muito providencialmente para todas as partes do mundo.” (Jean Gailhac, GS/23/VII/84A)

Quando fundou o Instituto das RSCM, o P. Jean Gailhac estaria longe de imaginar o desenvolvimento que nele iria operar-se a ponto de, passados pouco mais de dois anos, em setembro de 1851, a comunidade integrar membros não apenas da França, mas vindos de um outro país, a Irlanda. Nos primeiros anos, e de uma forma inesperada, o IRSCM torna-se internacional.

Pelo ano de 1868, o desejo de expansão é grande e o olhar do Instituto começa a dirigir-se então para a Irlanda. Possuído de zelo para continuar a Obra de Jesus Cristo, a escolha de Gailhac foi clara: ultrapassar os limites de Béziers e transformar a congregação diocesana que inicialmente éramos numa congregação internacional – internacional tanto nos seus membros como na sua missão. Muitas congregações femininas contemporâneas transpunham as fronteiras da França, mas segundo o historiador Claude Langlois, as Irmãs do SCM constituíam um caso excecional pois eram a única congregação que, tendo apenas uma casa na França, decidia expandir-se internacionalmente. No espaço de quinze anos, entre 1870 e 1885, o Instituto estabelece-se em três países da Europa (Irlanda, Portugal e Inglaterra) e nos Estados Unidos da América, e conta sete fundações (1870, Lisburn; 1871, Porto; 1872, Liverpool; 1877, Braga e Sag Harbor; 1879, Ferrybank; 1885, Chaves). Nesse tempo, o Instituto tinha apenas cerca de duzentos membros, mas fora agraciado com diversas nacionalidades e dedicava-se a uma grande diversidade de ministérios apostólicos.

O desenvolvimento do Instituto e a presença do mesmo em vários países custou a Gailhac provas e dificuldades, mas ele nunca deixou de alimentar o espírito de Deus no Instituto, de promover a sua unidade e de aumentar as obras e presenças apostólicas. Gailhac fundou as RSCM para uma missão muito particular, mas não limitou a nossa esfera de ação. O Instituto foi fundado para todos os trabalhos e para todas as classes sociais. Não há limites, para lá das nossas possibilidades, para responder a uma necessidade particular. Esta largueza de horizontes está estreitamente identificada com a autêntica missão de Jesus. Com efeito, nós RSCM somos chamadas a ser internacionais de uma forma radical! Gailhac entrou na vida plena deixando o Instituto unido numa rica diversidade de nacionalidades e obras de zelo.

Em cada tempo da nossa história como Instituto, sentimo-nos chamadas a continuar o sonho de Jean Gailhac: sermos um corpo internacional de mulheres de ‘muitas culturas, um só coração’ que colabora com Jesus Cristo na sua missão geradora de vida para todos. Permanecendo fiéis ao caráter internacional do nosso Instituto, inserimo-nos numa diversidade de culturas e procuramos continuamente alargar a nossa visão do mundo, reforçar o compromisso com o bem comum e crescer na atitude de mobilidade e na liberdade de podermos ser enviadas a qualquer parte do mundo onde o Instituto reconheça uma necessidade.

Desde as etapas inicias da nossa formação como RSCM, somos convidadas a olhar o horizonte mais amplo e a desenvolver o sentido de Instituto, para além da nossa Área/Província de proveniência. Os programas formativos acentuam a capacidade de transpor fronteiras, de apreciar e aprender a lidar com as diferenças, de agir em colaboração e interdependência, de ler os sinais dos tempos e estar prontas a ir para onde Deus nos convoca.

A nossa inserção em diversas culturas expande a nossa consciência da presença e ternura de Deus em toda a terra e desafia-nos a sermos corpo em missão com horizontes de universalidade. Através da nossa vida e trabalho em comunidades e equipas internacionais temos a oportunidade de entrar no desejo de unidade de Deus e testemunhar que pessoas de diferentes antecedentes sociais, nacionalidades, línguas, culturas e gerações podem viver juntas em comunhão, paz e harmonia e que as estruturas injustas podem ser alteradas pela transformação dos relacionamentos. Uma cada vez maior mobilidade, um mercado globalizado, refugiados fugindo de guerras e conflitos, migrantes em busca de melhores condições de vida estão a remodelar a configuração social e cultural do nosso mundo e interpelam-nos a reassumirmos a nossa internacionalidade não apenas como caraterística, mas sobretudo como recurso para efetivar a nossa missão com o foco na justiça.

O nosso carisma impulsiona-nos a respostas proféticas, nascidas de uma consciência global e marcadas pela criatividade e os valores do Evangelho. No contexto do nosso mundo plural e em contínua mudança, reconhecemos a necessidade de fortalecer os elos e a comunicação entre continentes e países e expandir a colaboração entre as Áreas/Províncias e as Equipas do Instituto, com os nossos Colaboradores e Família Alargada SCM e com outros além do Instituto, no sentido de potencializar o dom da nossa internacionalidade e partilhar os recursos que somos e temos ao serviço dos mais necessitados de justiça. Impulsionadas pelo Ano Jean Gailhac e pela Igreja em caminhada sinodal, persistimos em explorar e ousar novas iniciativas de missão em dinamismo colaborativo, abertas – como Maria – aos caminhos imprevisíveis do Espírito, prontas a arriscar o novo e o desconhecido.

Um dos aspetos importantes da nossa Rede JPIC e do estatuto de ONG nas Nações Unidas é o incentivo a usarmos o potencial da nossa internacionalidade para agir corporativamente em rede e juntarmo-nos a outros grupos que se dedicam às mesmas causas. Podemos, assim, exercer influência e responder – a um nível global e local – de um modo mais eficaz e efetivo contra os diversos tipos de pobreza, a marginalização, a discriminação, os abusos de qualquer ordem, a pressão e a violência, a destruição do planeta.

A internacionalidade do nosso Instituto impele-nos também a educar crianças e jovens com horizontes de universalidade. A par de outros ministérios e grupos, a Rede Global das Escolas RSCM une todos os colégios num propósito comum de fomentar o dom da internacionalidade, aprofundar o compromisso com a transformação do mundo através da nossa visão educativa e preparar os nossos alunos e alunas para se tornarem líderes na promoção da justiça, da paz e do cuidado da criação.

De modo convergente, as várias ações de pastoral juvenil desenvolvidas por RSCM e Leigos em todo o Instituto aproximam os jovens do Deus de Jesus Cristo e desafiam-nos ao compromisso cristão na sociedade. Promovendo a identificação com o nosso carisma, procuramos ajudar os mais jovens a construir um projeto de vida de amor e serviço, em pertença e comunhão com a Igreja, para a transformação do mundo conforme o sonho de Deus.

Muito em breve, Lisboa será palco da Jornada Mundial da Juventude. Quase um milhão de jovens de todo o mundo – entre os quais cerca de trezentos ligados ao nosso Instituto – serão acolhidos pelos braços abertos de Cristo Rei e de várias RSCM e Leigos de várias nacionalidades, para se encontrarem com o Papa Francisco e viverem uma experiência de Igreja universal.

Aberta a todos, a JMJ será certamente espaço de comunhão e momento privilegiado de evangelização, um novo impulso à fé, à esperança e à caridade dos jovens peregrinos e da gente que os acolhe. Como Instituto, viveremos a JMJ, assim como os dias que a antecedem, com um forte espírito de unidade e com a consciência da riqueza das diferenças.

Proporcionando o aprofundamento do nosso carisma e missão internacional, desafiaremos os nossos jovens a cultivarem um coração como o de Jean Gailhac – ‘sem fronteiras’, a serem artesãos da paz, do diálogo e da fraternidade tão necessários no mundo de hoje, a serem protagonistas na promoção de justiça, solidariedade e vida em abundância.

Ir. Ana Luísa Pinto, rscm

Fontes consultadas:

Connell, Kathleen, Uma Caminhada na Fé e no Tempo, A História das RSCM, 2. Fontes de Vida, 1995, v. Port.

Constituições das Religiosas do Sagrado Coração de Maria, aprovadas em 1983.

Dolan, Catherine. História Viva V – Generalato de Catherine Dolan RSCM, Fontes de Vida, 2017.

Sampaio, Rosa do Carmo, Uma Caminhada na Fé e no Tempo, A História das RSCM, 1. Fontes de Vida, 1990, v. Port

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